O Eclesiastes e a difícil arte de ser casado

            Casamento é artesanal. É pura arte. A arte de existir no plural.

            A vida do casal é semelhante a um jogo: quem não sabe jogar sofre. É o jogo das alternâncias, das combinações e diferenças. Gente engessada, inflexível, intolerante, não consegue extrair prazer do jogo da vida.
            Hoje as relações estão sendo envenenadas pela maldição da disputa, o cárcere da medição constante de forças. São disputas internas e externas: a maldição da comparação, a enfermidade da comparacite. 
            Alguns casamentos se transformaram em espaço de contabilidades da angústia: “quantas vezes eu fiz algo e ele nada”; são as terríveis frases: “você sempre...” ou “você nunca...”. No território da culpa sobram apenas os destroços familiares. Algumas camas perderam sua essência: de jardim de delícias, virou túmulo de lençóis, sepultando toda a noite um projeto de amor fracassado.
            Nossa esperança está em Deus! O casamento é tão importante para Deus que Ele o usa como metáfora de si mesmo: nos profetas, por exemplo, Deus é sempre retratado como marido ou amante, em Cristo, ele é o noivo!

            Deus não desiste da aliança!

            Vamos pensar sobre algumas dimensões da difícil arte de ser casado:

1. Permanência: artistas que não desistem do espetáculo do amor

            O Eclesiastes avisou: “vida sem sentido”. Por causa dessa constatação, muitos perdem a vocação para a vida. Notem que o Eclesiastes trata a vida com uma angústia cortante, mas não desiste dela.
            Vivemos asfixiados numa cultura da impermanência. Tudo dura pouco e pouco dura muito. Vivemos em crise com o tempo. A parafernália estética nada mais é do que sintoma de uma sociedade que se recusa a assumir que o tempo maltrata!
            Antoine de Saint-Exupery escreveu que “amar não significa ficar olhando longamente um para o outro, mas sim em olharem juntos e na mesma direção”. Permanecer no mesmo sentido!
            A cultura da impermanência sofre pela ausência de raízes profundas. Assim, o casamento se torna uma aventura pelo próprio desespero – daqui nasce a infeliz expressão: “vamos fazer amor”! Como? Se a Bíblia diz que “Deus é amor” (I Jo. 4.8), quem pode “fazer Deus”?
            Tenho uma pergunta: por que as pessoas ainda se casam? Porque somos seres em busca. Vivemos em estado de espera. Guimarães Rosa dizia que “esperar é reconhecer-se incompleto”. Sem o encontro ficamos desrealizados.
            O casal celebra a unidade nas diferenças e a vida a dois faz a diferença na unidade.
            Não desista do seu show! Faça do seu casamento uma obra de arte da graça. Não é por acaso que o mundo da feiura não suporta a beleza de um casamento que permanece!


2. Crises: aperfeiçoando a arte

            O Eclesiastes frisa: “árduo trabalho”. É a dimensão da crise. Achamos que conhecemos as crises, na verdade, elas nos definem e nos moldam. Sir Arthur Eddington disse algo muito intrigante: “Frequentemente pensamos que ao termos concluído o estudo de ‘um’, sabemos tudo sobre ‘dois’, porque ‘dois’ é o resultado direto de ‘um mais um’. Nós nos esquecemos da necessidade de fazer um estudo do ‘mais’. O que é esse ‘mais’ que transforma o ‘um’ no ‘dois’?”
            São as crises. Elas são a cola, a adorável intrusa que às vezes dorme na cama do casal. Você já parou para pensar no fato de que as grandes obras de arte da história são produzidas após períodos de crises avassaladoras? Falo de crise, não de tragédia!
            O que destrói qualquer casamento é a obsessão pela facilidade. É quando se cobra do cônjuge o que somente Deus é capaz de dar: êxtase eterno! Cuide para que as crises não se tornem tragédias e a arte do casamento não se torne um filme de terror.
            Na paciência, no cuidado com as palavras, nos gestos, na atenção personalizada, remédios do amor curam as feridas da crise!


3. Equilíbrio: a arte da simplicidade

            O casamento já nasce numa tensão: o homem buscando espaço, a mulher aproximação. O homem buscando sexo, a mulher buscando amor.
            A enfermidade dos extremos tem destruído muitos casamentos: só sexo transforma o casamento numa tragédia do ajuntamento dos corpos, mas ao custo do afastamento dos corações. Só conversa sem nada de sexo, gera uma religião neurotizada que espiritualiza a vida e não santifica a carne. Só o equilíbrio nos salva da tragédia dos extremos.
            Não existem casamentos perfeitos, mas existem casamentos felizes!
            John Drescher disse que “infelizmente muitos casamentos se tornaram mentiras oficializadas”O equilíbrio nasce quando o casal aprende a arte de concordar! A palavra “concordar” vem da junção de dois termos latinos: “cum” + “core” (“Corações que andam juntos”).
            Ser casado não é fácil, mas é delicioso. Não é simplista, mas é simples. Não é complexo, mas é profundo. Não é válvula para o descarrego de tensões sexuais e pulsões psíquicas, mas ambiente de cura, afeto, carinho, restauração, alegria e amor.
            No casamento o produto final da arte é Deus! Todo casal cristão é missionário, pois estar casado é revelar a presença de Deus!

            Thomas Adams disse que “assim como pela criação Deus de um fez dois, pelo casamento, ele de dois fez um”.
Até mais...
Alan Brizotti

Comentários

Postagens mais visitadas